domingo, 2 de janeiro de 2011

V Congresso de Arqueologia do Sudoeste - Posters

No seguimento da publicação dos posters apresentados no V Congresso de Arqueologia do Sudoeste, directamente relacionados com o Outeiro do Circo e respectivo território, apresentaremos de seguida uma série de posters relativos a sítios arqueológicos de períodos históricos distintos, mas localizados na freguesia de Mombeja. Estes locais foram intervencionados por equipas da Palimpsesto Lda. no âmbito de projectos executados pela Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja.



O sítio de Murteira 6 (Mombeja – Beja) no contexto do calcolítico do Sul de Portugal.
Eduardo Porfírio, Rui Pedro Barbosa, Alexandre Valinho e Marco Costa (Palimpsesto Lda.)



Resumo

A execução das medidas de minimização de impactes sobre o património, a cargo da Palimpsesto, Lda., decorrentes do projecto “Conduta Santa Vitória, Mombeja, Beringel”, relativo à implantação de condutas de abastecimento de água às freguesias rurais do concelho de Beja, da responsabilidade da EMAS, EEM, resultou na identificação junto ao Monte da Murteira, de uma série de estruturas escavadas no substrato geológico, morfologicamente muito variadas.


Após a realização de duas campanhas de escavação é possível concluir que existiu neste local uma ocupação calcolítica, materializada numa série de valados e “fossos” escavados no substrato geológico. Este tipo de estruturas permite integrar esta ocupação no âmbito das mais recentes problemáticas relativas ao povoamento calcolítico no Sul de Portugal, nomeadamente no que respeita aos designados recintos de fossos. Detectaram-se ainda, vestígios de outros períodos mais recentes, tais como um silo do período romano e entulheiras da Época Moderna/Contemporânea relacionados provavelmente com a ocupação do Monte vizinho.

Antecedentes e Enquadramento da Intervenção


O sítio Murteira 6 (Mombeja/Beja) foi referenciado pela equipa responsável pelo acompanhamento arqueológico do projecto, junto de um caminho rural contíguo ao monte da Murteira, que segue em direcção à povoação de Beringel. Identificou-se um conjunto morfologicamente variado de estruturas escavadas no "caliço" brando desta região (Fig. 1).

Fig. 1

As prospecções realizadas no decurso da elaboração da Carta de Património arqueológico e arquitectónico de Beja haviam já comprovado o potencial arqueológico de toda esta área, devido à identificação de cinco sítios nas imediações desta exploração agrícola, cronologicamente enquadráveis na Pré-História, no período Romano e até mesmo na Época Moderna (Ricardo e Grilo, np).

A topografia desta zona caracteriza-se por ser pouco acidentada, decorrendo os trabalhos numa faixa de terreno com uma suave inclinação ascendente no sentido Sul – Norte.

A homogeneidade da peneplanície é interrompida apenas pelos relevos residuais da Serra de Beringel e dos morros de Beja que se destacam com especial evidência no horizonte desafogado típico desta zona do Alentejo (Oliveira, 1992: 12-13) (Fig. 2).

Fig. 2

Descrição dos trabalhos realizados e principais resultados

No decurso das duas fases da intervenção arqueológica realizada neste local documentaram-se, várias fases de ocupação datáveis do período Calcolítico, Romano e da Época Moderna. Esta última fase está representada por grandes entulheiras de configuração semicircular escavadas no substrato geológico. As características dos depósitos que as preenchiam apontam para uma utilização relacionada com a deposição de entulhos, esta constatação é reforçada pelo facto de se terem identificado fragmentos do mesmo recipiente distribuídos por várias unidades estratigráficas.

O período romano está representado por um único contexto, constituído por um silo/fossa com cerca de 2 metros de profundidade, colmatado com vários depósitos de formação antrópica que forneceram para além de fragmentos cerâmicos incaracterísticos, vários elementos de tegula e later. A existência de contextos deste período era de algum modo prenunciada pela identificação no decorrer da primeira fase de trabalhos, de vários fragmentos de cerâmica de construção e de um bojo de ânfora, entre os materiais recolhidos à superfície e nas primeiras unidades de algumas sondagens (Fig. 3).

Fig. 3

Nas sondagens 12 e 13 identificaram-se duas estruturas de grandes dimensões escavadas no substrato geológico, [1214] e [1309], cuja configuração não foi possível determinar em função da dimensão da área intervencionada. A análise da estratigrafia não registou nenhum momento de utilização da estrutura, documentando-se apenas estratos de formação natural, incluindo vários blocos de caliço resultantes da desagregação das paredes ou da provável cobertura abobadada (Fig. 4).

Fig. 4

A estrutura do período Calcolítico melhor documentada em Murteira 6 são valas ou canais de perfil em "U", escavadas no solo base, cujas profundidades máximas rondam os 0,40 a 0,70 m, por larguras da ordem dos 0,80 a 1,20 m. Identificaram-se quatro troços de valas/canais não coincidentes entre si, sendo que a construção do troço C interceptou os sedimentos do D. Posteriormente ao abandono da vala/canal C, os seus depósitos de colmatação foram escavados para a realização de uma fossa de morfologia sub-circular, fundo aplanado, com cerca de 1m. de profundidade. No interior das estruturas do tipo vala/canal, junto à sua base, identificou-se um sedimento de granulosidade fina, o que se poderia interpretar como vestígio de uma função de índole hidráulica (Fig. 5, 6, 7).


Fig. 5

Fig. 6

Fig. 7


O material arqueológico recolhido é constituído maioritariamente por fragmentos cerâmicos, dos quais, alguns permitiram uma classificação formal e tipológica, sendo de destacar a presença de pratos de bordo espessado, taças e potes, ao nível dos elementos de preensão predominam os do tipo mamilo ou pega mamilada (Fig. 8).



Fig. 8

Conclusão e perspectivas futuras

Apesar do carácter preliminar desta notícia, contextualizando os resultados apresentados com as realidades arqueológicas conhecidas quer local quer regionalmente, é desde já possível extrair algumas conclusões gerais.

Convém referir em primeiro lugar, que à semelhança do sítio Cortes 1, localizado a cerca de 2400 m. a Nordeste (Cf. o poster A ocupação da Antiguidade Tardia do Monte das Cortes 1, Mombeja – Beja), também em Murteira 6 se documentam contextos arqueológicos de vários períodos históricos.

O período cultural representado em Murteira 6 com maior expressividade numérica, é sem dúvida o Calcolítico, evidenciando-se igualmente a existência de várias fases de construção/remodelação do espaço ocupado, situação que já havia sido constatada para outros contextos do género (Márquez Romero, Jiménez Jaiméz, 2008).

No entanto, as dúvidas quanto à atribuição de uma funcionalidade aos diversos troços de valas/canais e às duas grandes estruturas [1214] e [1309] mantém-se. Têm sido atribuídas diversas funcionalidades a estas materialidades, desde as de carácter defensivo, às de delimitação/organização do espaço, e até mesmo funções ao nível da hidráulica e do abastecimento de água ás unidades domésticas (Grilo, 2007; Hurtado, 2008; Móran, 2008). No que toca a este último caso, as características de alguns sedimentos das valas/canais escavados apontam para a possibilidade de relacionar estas estruturas com o armazenamento, a drenagem ou a circulação de águas pluviais.

Os trabalhos realizados no sítio Murteira 6 permitem adicionar um novo sítio do período Calcolítico, a uma extensa lista de locais do IV e III milénio a.C. com estruturas de tipo semelhante, no entanto, as duas intervenções realizadas são claramente insuficientes para estabelecer uma cronologia precisa para as várias fases de construção/remodelação identificadas, quer para averiguar a funcionalidade, a extensão e a configuração das estruturas, estas questões poderiam ser resolvidas em grande medida com a realização de datações laboratoriais e de uma campanha de trabalhos de prospecção geofísica e de foto-interpretação.

Só após a aquisição de alguns elementos tais como planta das estruturas, datação absoluta das fases de contrução/remodelação, será possível avançar no sentido de contextualizar a ocupação calcolítica de Murteira 6 com a de outros locais de características semelhantes cujo estudo está num estado mais avançado, tais como Porto Torrão, Perdigões, Valencina de la Concepción ou La Pijotilla (Hurtado, 2008).

Bibliografia:

Grilo, C. (2007), O povoado pré-histórico do Alto do Outeiro, Baleizão, Beja, Vipasca, 2.ª serie, 2: 95-106.

Hurtado, V. (2008), Los recintos con fosos de la Cuenca Media del Guadiana, Era-Arqueologia, 8: 183-197.

Márquez Romero, J. E. e Jiménez Jaiméz, V. (2008), Claves para el estudio de los Recintos de Fosos del sur de la Península Ibérica, Era-Arqueologia, 8: 138-171.

Móran, E. (2008), Organização espacial do povoado de Alcalar, Era-Arqueologia, 8: 138-146.

Oliveira, J. T. (coord.), (1992), Notícia explicativa da Folha 8 da Carta Geológica de Portugal, Direcção Geral de Geologia e Minas, Serviços Geológicos de Portugal, Lisboa.

Ricardo, I. e Grilo, C. (no prelo), Carta de Património arqueológico e arquitectónico. Beja – Caderno de Mombeja, Câmara Municipal de Beja.

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