domingo, 9 de janeiro de 2011

V Congresso de Arqueologia do Sudoeste

Malhada de Biterres 2 - Um forno da Idade do Ferro nos alvores da romanização (Mombeja - Beja)
Marco Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra (Palimpsesto Lda.)
Texto da Comunicação. A versão final do artigo para as actas do Encontro será apresentada oportunamente.
Resumo:
Nesta comunicação apresentamos os primeiros resultados do sítio Malhada de Biterres 2, identificado no decorrer da intervenção arqueológica de emergência realizada no âmbito da minimização de impactes patrimoniais decorrentes da execução da Conduta de Santa Vitória, Mombeja, Beringel para a empresa EMAS, Empresa Municipal de Águas e Saneamento de Beja.
No decorrer da intervenção foram identificados vestígios materiais pertencentes a um forno que, tendo em conta os aspectos morfológicos e paralelos arqueológicos conhecidos, estaria relacionado com a produção cerâmica.
Introdução:
Localizada em plena peneplanície alentejana numa parcela caracterizada por pouca inclinação, sobranceira a uma pequena linha de água denominada “Ribeira Do Galego” cerca de 740m a sul de Beringel, a estação arqueológica Malhada de Biterres 2 foi primeiramente identificada no decorrer dos trabalhos de prospecção relativos à elaboração da Carta de Património Arquitectónico e Arqueológico de Beja1, tendo sido recolhidos à superfície do terreno fragmentos de imbrex, latere, cerâmica comum, taças, tigelas, panelas, ânfora, dolia e pesos de tear, os quais indiciavam a presença de um casal romano.
A intervenção arqueológica, realizada ao longo de 19 dias úteis entre os meses de Novembro e Dezembro de 2009, permitiu a recuperação de diversos materiais arqueológicos, quer de cronologia sidérica quer de cronologia romana republicana e, simultaneamente, pôr a descoberto uma estrutura arqueológica da qual ainda se conhecem poucos exemplares, em território nacional, assumindo por isso um papel de marcada importância para o estudo das actividades produtivas de olaria durante a época sidérica, permitindo também remontar a ocupação do local, pelo menos, até à II Idade do Ferro. Por outro lado, verifica-se a continuidade temporal de uma actividade produtiva que se perpetuou até aos nossos dias na vizinha aldeia de Beringel.
A intervenção: estruturas e material arqueológico associado:
Uma análise inicial permitia diferenciar duas estruturas arqueológicas distintas, uma estrutura negativa de consideráveis dimensões escavada no substrato geológico e uma outra edificada no interior da primeira. Assim, e tendo em conta a realidade (fraccionada pelos meios mecânicos) visível no terreno2, foi necessário que a intervenção fosse realizada em duas fases, uma na secção Oeste da sondagem, outra na secção Este (Fig. 2).
Fig. 2

O depósito superficial (UE100), cujo conteúdo arqueológico se traduz numa série heterogénea de materiais cerâmicos, aos quais uma análise morfo-tecnológica permitiu atribuir cronologicamente à II Idade do Ferro e ao período Romano Republicano, corresponde à camada de solo directamente afecta à utilização agrícola do terreno, depreendendo-se por esse motivo que os materiais se encontram em posição secundária.
Após a remoção desta unidade superficial foi, desde logo, possível identificar os contornos da estrutura (UE 110) que assumia a configuração de um forno. O conjunto estratigráfico que preenchia o interior da estrutura forneceu elementos materiais cronologicamente consistentes quer com a II Idade do Ferro, quer com o período Romano Republicano, contudo, não possuímos dados que nos permitam associar a produção dos materiais à estrutura, pois não existe qualquer peça completa, podendo a posição dos materiais ocorrer em resultado de processos tafonómicos.
A estrutura3 (UE 110) assume uma configuração circular de dimensões reduzidas (cerca de 2x2 m) com um pilar central de forma oval, integrável segundo a classificação realizada por J. Coll Conesa, (2008) na tipologia B-6 (Fig. 3 e 4). Terá sido edificada no local através de um processo compósito. Por um lado a moldagem manual de barro cru, aplicado sobre sedimento escavado/moldado previamente com a configuração pretendida, por outro lado a aplicação de elementos pré-fabricados (caso da entrada e dos blocos incorporados na parede). Seguidamente terá sofrido um processo de cozedura in-situ tendo em vista a sua solidificação.
Fig. 3
Fig. 4
Na secção Oeste da sondagem é apenas visível uma pequena parte da estrutura, no entanto conservam-se, incorporados na sua parede, alguns blocos cerâmicos, (Fig. 5) cuja função prática não é clara. Podemos avançar com a hipótese de se tratar do suporte de uma grelha.
Fig. 5

Dispõe também de um pequeno corredor elaborado com blocos cerâmicos, e de uma pequena dependência (UE 125) escavada no sedimento, que o antecede. Não chegaram até nós indícios relativos à sua cobertura, provavelmente removidos pelos trabalhos agrícolas. Analisando a dimensão reduzida do corredor
, supõe-se que seria móvel, de forma a facilitar o acesso à câmara de cocção. A câmara de combustão foi escavada no solo apresentando uma base sensivelmente plana, ascendendo ligeiramente na zona da boca e do corredor. Este tipo de solução seria eficaz para reduzir as perdas de calor e facilitar a construção.
O pilar central (Fig. 6), que se encontrava bastante deteriorado, foi edificado, à semelhança das paredes, através da aplicação/moldagem de barro cru em redor do sedimento pré existente no local.
Fig. 6
Tendo em conta a morfologia da estrutura, tratar-se-ia de um forno de dupla câmara (combustão e cocção), divididas por uma grelha, da qual já não subsistem vestígios, suportada por um pilar central. Na secção Este da estrutura não eram identificáveis os blocos cerâmicos incorporados na parede, visíveis na secção Oeste, apesar de ambas as secções se encontrarem sensivelmente à mesma cota. Do mesmo modo, os contornos da estrutura assumem nesta secção da sondagem uma forma mais sinuosa quando comparados com os do lado Oeste, facto cuja explicação ainda nos ilude.
Após a remoção da estrutura foi intervencionado um conjunto de unidades estratigráficas que se encontrava em redor e abaixo desta. Da sua escavação resultou um conjunto de materiais cerâmicos enquadráveis, na sua grande maioria, na II Idade do Ferro. O conjunto de materiais cuja cronologia aponta para o período Romano Republicano tornou-se, comparativamente às unidades precedentes, bastante residual, pois de entre 267 fragmentos cerâmicos recolhidos, apenas 3 são de cronologia romana.
Removidas as Unidades Estratigráficas supracitadas foram identificadas, escavadas no substrato geológico, três estruturas negativas (Fig. 7).
Fig. 7
Uma, de pequenas dimensões e cuja forma se assemelha a um buraco de poste; as restantes, de pequena profundidade e assumindo a configuração de canais convergindo numa outra estrutura negativa cuja forma não nos foi possível identificar, pois prolonga-se para o corte sul da sondagem. Tendo em conta a visão parcelar e limitada que dispusemos, a qual os elementos materiais recolhidos não ajudaram a aclarar, não nos é possível atribuir qualquer tipo de funcionalidade às estruturas em questão, contudo, é notório que a utilização do espaço foi efectuada em duas fases distintas, a mais recente das quais, está conotada com a construção e utilização do forno.

Bibliografia:
Alcalde, M.ª (1999) – “Escavación arqueológica en la zona de la Alberca (Lorca, Murcia). Un horno alfarero de los siglos VII-VI a.C. y un centro comercial y militar de época tardopúnica y romana.” Memorias de Arqueología 14, pp. 213 – 260
Arnaud, J., Gamito, T. (1974) – “ Cerâmicas estampilhadas da Idade do Ferro do Sul de Portugal, Cabeça de Vaiamonte, Monforte”, OAP, vol. 7-9, pp. 165 - 202
Beirão, C. et alii (1985) – “Depósito votivo da II Idade do Ferro de Garvão”, OAP, série IV, pp. 45 – 136
Bernal, D. et alii (2002) – “Aportaciones al estudio de la ocupación púnica y romana en San Fernando (Cádiz). La intervención arqueológica en la carretera de Camposoto.”, Bolskan, 19, pp. 321 – 333
Calado, M. et alii (1999) – “Povoamento Proto-histórico no Alentejo Central”, Revista de Guimarães, Volume Especial, I, pp. 363 – 386
Calado, M. et alii (2007) - "Povoamento proto-histórico na margem direita do regolfo de Alqueva (Alentejo, Portugal)", Cáceres, pp. 129 - 174.
Carrasco, Mª, (2006) - El horno cerámico de las Veguillas (Camañas, Teruel)", Stvdium 12, pp. 85 - 102.
Coll Conesa, J. (2008) - "Hornos romanos en España. Aspectos de morfologia y tecnología", Editado con motivo del XXVI Congreso Internacional de la Associación Rei Cretariae Romanae.
Fabião, C. (1998) - "O Mundo indígena e a sua romanização na área Céltica do território hoje português, 3 vol., Tese de doutoramento em arqueologia apresentada à Universidade de Lisboa.
Mataloto, R. (2004) - "Um «monte» da Idade do Ferro na herdade da Sapatoa: ruralidade e povoamento no I milénio a. C. do Alentejo Central", IPA.

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