quinta-feira, 7 de abril de 2011

Jornadas de Pré e Proto-História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - 11

O povoamento aberto do Bronze Pleno no Sudoeste. Caso de estudo: o sítio de Torre Velha 3 (Serpa)

Eduardo Porfírio
(Palimpsesto, Lda. e CEAUCP)


Aquando da sistematização do quadro evolutivo da Idade do Bronze do Sudoeste da Península Ibérica por H. Schubart em 1975, a ausência de povoados correlacionáveis com os cemitérios de cistas foi desde logo motivo de problematização. Esta ausência reflectiu-se em certa medida no modo como o autor caracterizou as sociedades daquele período, como populações seminómanadas, dispersas num vasto território, cujo único factor de coesão e reunião, seria o culto aos mortos realizados nas necrópoles, das quais algumas ocupavam lugares destacados na paisagem.

A importância que o arqueólogo alemão concedeu ao quadro geográfico da Idade do Bronze do Sudoeste, permitiu-lhe identificar um rol de potencialidades locais que determinariam a principal vocação económica destas comunidades. Assim, a existência de extensas e inóspitas áreas de serra favoreceria a criação de gado, enquanto a riqueza dos filões de cobre da faixa piritosa possibilitaria a prática metalúrgica, por seu turno, a fertilidade dos solos de algumas zonas do Alentejo e Algarve, permitiria o desenvolvimento da agricultura.

Posteriormente, na década de setenta do século XX, foram identificados no território português alguns povoados associados a necrópoles de cistas, entre os poucos que foram escavados, encontram-se os núcleos habitacionais da Quitéria e do Pessegueiro na zona de Sines e de Alcaria no concelho de Ourique. Comum a todos estes sítios é a sua localização bastante próxima dos núcleos funerários, a sua implantação em zonas aplanadas e abertas junto a linhas de água, e a ausência de condições naturais de defesa.

As estruturas habitacionais são constituídas por cabanas de planta rectangular, com embasamentos de pedra, sendo o restante construído com materiais perecíveis. No povoado do Pessegueiro, melhor conhecido em extensão, identificaram-se ainda lareiras de morfologia sub-circular, pavimentos lajeados e buracos de poste estruturados.

Os materiais arqueológicos recolhidos nestes núcleos habitacionais, revelam a existência de uma relação estreita entre os recursos naturais disponíveis nas proximidades e as actividades económicas desenvolvidas por estas comunidades, nomeadamente a agricultura e a produção metalúrgica de pequena escala. No caso dos povoados da zona de Sines, haveria ainda que acrescentar àquele quadro, a pesca e a recolecção de marisco.

Mais recentemente, a construção de diversos empreendimentos no âmbito do projecto Alqueva, implicou grandes movimentações de solos em áreas consideráveis do Alto e Baixo Alentejo, daqui resultando um incremento no número de ocorrências arqueológicas relacionáveis com a Idade do Bronze. Apesar do número de novos sítios que vão sendo estudados e publicados ser ainda reduzida, é desde já possível analisar a existência de tendências comuns.

O conjunto de contextos habitacionais intervencionados na zona de S. Manços (Évora), Serpa e Trigaches (Beja), compartilham com os exemplos da área de Sines e Ourique o carácter aberto e a implantação topográfica. No entanto, diferenciam-se daquele grupo de povoados pela ausência quase total de contextos arqueológicos de cota positiva, caracterizando-se principalmente pela aglomeração de estruturas escavadas no substrato geológico, de “fossas” tipo silo, algumas das quais revelaram utilizações funerárias. Este tipo de estruturas que terão funcionado enquanto áreas de armazenagem de alimentos, em conjunto com elementos de foice e numerosos dormentes e moventes pertencentes a mós de tipo vai e vem, testemunham indirectamente a vocação agrícola destas comunidades que praticavam ainda uma metalurgia de pequena escala.

A grande maioria destes núcleos habitacionais está datada do Bronze Final, seja através de datações absolutas, seja pela presença de cerâmica de ornatos brunidos, no entanto, no caso de Casarão da Mesquita 3 (S. Manços, Évora), foi possível recuar a ocupação até ao período do Bronze Pleno.

O sítio Torre Velha 3 (Serpa) situa-se numa elevação de altitude pouco expressiva (180 m.), rodeada por encostas de pendentes suaves, delimitada a Norte e a nascente pela Ribeira da Laje. A ocupação da Idade do Bronze identificada neste sítio, é também constituída por um conjunto de estruturas escavadas no “caliço”, únicos vestígios sobreviventes do que poderá ter sido um extenso povoado dedicado à exploração dos recursos agrícolas.

A vertente funerária da Idade do Bronze de Torre Velha 3, a exemplo do que ocorre frequentemente neste conjunto de povoados, encontra-se documentada através da identificação de inumações humanas em “fossas” de tipo silo. Um outro tipo de estrutura sepulcral já datada por C14 de um período integrável no Bronze Pleno, é constituída por hipogeus compostos por antecâmara e câmara em forma de pequena cavidade escavada no substrato geológico, datados do Bronze Pleno.

Um grande óbice ao conhecimento mais aprofundado de povoados como Torre Velha 3, prende-se com a afectação por fenómenos pós-deposicionais dos níveis arqueológicos correspondentes ao topo das “fossas” de tipo silo e aos níveis de ocupação, impossibilitando por completo a análise da relação estratigráfica entre as estruturas. Deste modo, resulta difícil estabelecer contemporaneidades, continuidades ou rupturas para as várias ocupações que parecem coexistir espacialmente neste conjunto de povoados.

A solução para questões desta índole, assim como de outras que se têm levantado no decurso do processo de análise destes sítios, dependente em grande medida de uma abordagem multidisciplinar, conjugada com o investimento em áreas de estudo mais tradicionais no seio da própria arqueologia, como é o caso do estudo de materiais.

Nesta comunicação pretende-se não só caracterizar e problematizar a ocupação da Idade do Bronze de Torre Velha 3, na sua vertente habitacional e funerária, apresentando-se os vários trabalhos de investigação que têm sido desenvolvidos, assim como alguns dos resultados obtidos e as perspectivas de investigação a desenvolver futuramente.

Bibliografia básica:

Alves, C., Costeira, C., Estrela, S., Porfírio, E., Serra, M., Soares, A. M., Moreno-García, M. (2010), Hipogeus funerários do Bronze Pleno da Torre Velha 3 (Serpa, Portugal). O Sudeste no Sudoeste?!. Zephyrus, LXVI: 133-153.

Deus, M., Antunes, A. S., Soares, A. M. (2010), A Salsa 3 (Serpa) no contexto dos povoados abertos do Bronze Final do Bronze do Sudoeste. Actas del IV Encuentro de Arqueología del Suroeste Peninsular (J.A. Pérez y E. Romero, eds.): 514-543.

Rebelo, P., Santos, R., Neto, N., Fontes, T., Soares, A. M., Deus, M., Antunes, A. S. (2010), Dados preliminares da intervenção arqueológica no sítio do Bronze Final de Entre Águas 5 (Serpa). Actas del IV Encuentro de Arqueología del Suroeste Peninsular (J.A. Pérez y E. Romero, eds.): 463 - 488.

Santos, F. J. C., Arez, L., Soares, A. M., Dues, M., Queiroz, P., Valério, P., Rodrigues, Z., Antunes, A. S., Araújo, M. de F. (2010), O Casarão da Mesquita 3 (S. Manços, Évora): um sítio de «fossas» silo do Bronze/Final na encosta do Albardão. Revista Portuguesa de Arqueologia, 11 (2): 55-86.
Em:http://www.igespar.pt/media/uploads/revistaportuguesadearqueologia/ 11.2/1_2_3_4/04_p.055-086.pdf

Valera, A. C., Filipe, V. (2010), Outeiro Alto 2 (Brinches, Serpa): nota preliminar sobre um espaço funerário e de socialização do Neolítico à Idade do Bronze. Apontamentos de Arqueologia e Património, 5: 49-56. http://www.nia-era.org/component/option,com_docman/task,doc_download/gid,78/Itemid,55/




Localização de Torre Velha 3 (Serpa)


Implantação topográfica de Torre Velha 3


Hipogeu


Enterramento humano em fossa tipo silo

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