segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Arqueologia experimental ou a “engenharia inversa” de recipientes cerâmicos do Bronze Final: Parte 2 – Experiências de cozedura

Depois da modelação manual de alguns recipientes, inspirados em formas conhecidas no Bronze Final da Península Ibérica (Parte 1), de vários testes de decoração e da secagem dos recipientes ao ar, o passo seguinte foi a cozedura. Para isso, em Maio passado, a equipa (Ana Osório, Diana Fernandes, Sofia Silva e Eduardo Porfírio) reuniu alguns materiais e os recipientes previamente feitos (juntamente com outros elaborados numa sessão prática pelos alunos de 2012 da cadeira de Materiais Pré e Proto-históricos do curso de Arqueologia e História da Universidade de Coimbra). De modo a compreender melhor os possíveis factores em jogo nesta fase esta sessão de dois dias foi planeada de acordo com vários aspectos:
Para o Bronze Final Peninsular, não se conhecem até à data fornos estruturados ou outras estruturas que sejam indiscutivelmente relacionadas com a cozedura cerâmica. Por isso mesmo se têm proposto que neste período a cozedura seja feita em fogueira aberta, ou fechada (soenga). Conhecem-se vários exemplos etnográficos em Portugal de cozedura em soenga que têm vindo a ser estudadas de uma perspectiva etnoarqueológica (Picon, Abraços, & Diogo, 1999).
Dados experimentais de vários autores (Gosselain, 1992; Smith, 2001; Maggetti, Neururer, & Ramseyer, 2011) têm mostrado que cozeduras em fogueira permitem obter temperaturas médias a médias altas até cerca de 900ºC. Nas experiências descritas em seguida utilizaram-se alguns termopares dispostos em redor da fogueira para avaliar este aspecto (de modo a proteger o equipamento os termopares foram dispostos sobre tijolos e protegidos com tábuas).
Em termos de coloração, que pode ser indicadora da atmosfera presente durante a combustão, as cerâmicas do Bronze Final apresentam tanto cores avermelhadas e acastanhadas claras como também cinzentos e castanho-escuros. É muito comum a presença de núcleos escurecidos ou exteriores manchados que geralmente se interpretam como indicadores de cozeduras incompletas ou de atmosferas mistas. Intrigava-nos porém um padrão de coloração de fractura, observado muitas vezes nestes materiais, em que o exterior é negro, seguido de uma área vermelha, a que se segue um núcleo negro e que chamámos fractura com 3 núcleos de cor (3n).


As experiências:
Experiência 1: cozedura em fogueira simples, exposta ao ar, e acabamento “abafado”. Dispuseram-se os recipientes sobre uma ligeira cova, coberta com uma “cama” de caruma. Os termopares foram dispostos no interior desse espaço, ao lado ou no interior de alguns recipientes. Uma vez que a quantidade de recipientes era pequena não se justificava fazer grandes fogueiras como se vê em muitos exemplos etnográficos e adequou-se o tamanho ao conteúdo. A lenha foi empilhada ao alto e transversalmente deixando o ar circular livremente. No final, após 2 horas “abafou-se” o fogo cobrindo-o com terra e assim ficou cerca de 8 horas. Ao destapar percebeu-se que ainda estava moderadamente quente.



Experiência 2: cozedura em “soenga”, com ambiente interior rico em carbono. Utilizou-se a mesma cova, dispuseram-se os recipientes no interior e os termopares em redor. Para a cobertura das cerâmicas a estruturação da matéria orgânica em redor da cerâmica inspirou-se na informação etnográfica sobre cozeduras em soengas de Molelos e do Norte do País e ainda em informações de outras regiões que dão conta da utilização de excrementos animais para garantir elevado teor em carbono. A aprendizagem feita na experiência anterior e também o facto de se querer criar um ambiente “fechado”, fizeram com que se tivesse muito mais cuidado na disposição da lenha, criando-se uma estrutura perecível e combustível que se assemelha a uma “câmara” ou forno.



Bibliografia

Gosselain, O. (1992). Bonfire in the enquiries. Pottery firing temperatures in archaeology: what for? Journal of Archaeological Sciences, Vol. 19, 243-259.
Maggetti, M., Neururer, C., & Ramseyer, D. (2011). Temperature inside a pot during experimental surface (bonfire) firing. Applied Clay Surface, Vol. 53, 500-508.
Picon, M., Abraços, H., & Diogo, J. (1999). Notes sur les ateliers de Fazamões (Resende), Portugal. Actas das II Jornadas de Cerâmica Medievale Pós-Medieval (pp. 407-417). Tondela: Câmara Municipal de Tondela.
Smith, A. (2001). Bonfire II: The Return of Pottery Firig Temperatures. Journal of Archaeological Science, Vol. 28, 991-1003.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Notícia do jornal Público sobre o Outeiro do Circo


Falta de verba e de segurança pode obrigar a selar em definitivo os vestígios já descobertos no sítio do Outeiro do Circo
Os responsáveis científicos do projecto do Outeiro do Circo, no concelho de Beja, depararam-se com vários estragos na zona escavada quando ali se deslocaram em meados de Novembro. Miguel Serra, um dos arqueólogos que coordena há vários anos os trabalhos de pesquisa naquele local, disse ao PÚBLICO que, nessa altura, a equipa constatou a remoção parcial de uma manga de plástico destinada a proteger a área escavada, a qual ficou exposta às intempéries.

A intrusão contribuiu para o derrube de um troço de muralha com cerca de quatro metros de comprimento, que delimita um povoamento fortificado do período entre o II e I milénio antes de Cristo. Além destes danos, a retirada da manga deixou a descoberto uma grande quantidade de pedras e "materiais arqueológicos cerâmicos".
As infiltrações de água causadas pela remoção da tela provocaram uma linha de fractura no solo, com cerca de dois metros, que "põe em risco a aproximação de pessoas, podendo provocar novo derrube" adverte Miguel Serra. O arqueólogo admite que a vandalização ocorrida no Outeiro do Circo não deverá estar associada ao uso de detectores de metais, como aconteceu num passado recente na região. "Terão sido meros curiosos que quiseram ver o local das escavações", observa.

Na sequência deste incidente, os investigadores pediram o apoio da Câmara de Beja, entidade com quem mantêm um protocolo de colaboração, para que procedesse à limpeza e protecção da zona afectada.

No dia 9 deste mês a autarquia disponibilizou meios para remover as terras aluídas e reposicionar a manga de protecção. Por razões de segurança foram colocadas estacas em redor da escavação, aguardando-se ainda a sua vedação efectiva.

O incidente veio chamar a atenção para os riscos a que está sujeita a estação arqueológica de Outeiro do Circo desde que o projecto foi suspenso no final de 2011. Miguel Góis, vereador com o pelouro da Cultura na Câmara de Beja, alegou então que a retoma dos trabalhos teria custos "altamente dispendiosos", que a autarquia não tinha condições para suportar. Miguel Serra diz que a suspensão do projecto "coloca problemas na área escavada" e frisa que ela foi apenas alvo de uma selagem provisória, na expectativa do reatamento dos trabalhos.

Por sua vez, o presidente do município, Jorge Pulido Valente, pediu aos arqueólogos que aguardassem até ao final do mês passado, após a aprovação das Grandes Opções do Plano e Orçamento do município para 2013, para se poder confirmar ou não a disponibilidade de verbas que permitissem a retoma dos trabalhos durante este ano.

Como até ao momento não houve qualquer resposta da autarquia, Miguel Serra conclui que a escavação continuará suspensa. Nestas condições, observa, "terão de se encontrar soluções para uma selagem definitiva" que evite danos nos vestígios e que garanta uma maior segurança do local. Ao mesmo tempo apela aos que ali se desloquem para "não colocarem em perigo os vestígios arqueológicos escavados".

O Outeiro do Circo começou a ser investigado nos anos 70 do século passado e destaca-se pela sua dimensão invulgar no alto de uma colina, destacando-se como a "sentinela da planície". Tinha 17 hectares (o perímetro urbano da Beja medieval era de 25), quando, nota Miguel Serra, esse tipo de sítios fica-se normalmente pelos quatro ou cinco hectares. Na sua opinião, este é um dos sítios "mais extraordinários" que conhece no Sudoeste da Península Ibérica.

Edição on-line:

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Notícia Agência Lusa sobre o Outeiro do Circo


Notícia:

O sítio arqueológico do Outeiro do Circo, no concelho de Beja, foi alvo de um “ato de vandalismo”, que expôs a intempéries uma zona da área escavada, provocando danos, disse hoje à Lusa um responsável científico do projeto.

O “ato de vandalismo” detetado no passado mês de novembro no sítio, um povoado fortificado do final da Idade do Bronze, entre 1.200 e 800 a.C., situado numa área de 17 hectares que abrange as freguesias de Mombeja e Beringel, terá sido praticado por “curiosos”, que visitaram a zona escavada, admitiu o arqueológo Miguel Serra.

Ao dirigirem-se à zona, a sondagem 1, com cerca de 48 metros quadrados e que tinha sido escavada entre 2008 e 2011, os “curiosos” removeram, sem destruir, a manga plástica que cobria e protegia parte da área e estava segura por pedras e terras, que também foram removidas, explicou.

Os “curiosos” tinham “algum conhecimento” do que iam ver e terão removido as proteções para ver as escavações, porque fizeram e destaparam “exatamente o mesmo” que os responsáveis científicos do projeto costumam fazer e destapar, quando promovem visitas ao sítio, disse.

“O problema foi que não tiveram o cuidado de recolocar as proteções” e uma área “considerável” da zona escavada ficou exposta a intempéries, o que provocou o aluimento de um troço de perfil de quatro metros de comprimento no topo sul da sondagem 1, provocando “danos” na muralha, explicou.

O ato de vandalismo provocou também uma linha de fratura no solo, com cerca de dois metros, junta à área escavada, o que “coloca em risco a aproximação de pessoas ao local” e pode “provocar novo aluimento”, frisou.

Todos os vestígios arqueológicos encontrados na área escavada já tinham sido removidos, mas a situação provocou “a destruição de informação arqueológica”, que pode ser recuperada, através de novas escavações, disse.

Segundo Miguel Serra, os responsáveis do sítio comunicaram a situação à Câmara de Beja, à qual pediram apoio para limpar a área afetada e colmatar os danos provocados.

No dia 09 deste mês, disse, funcionários da Câmara de Beja limparam a área, recolocaram a manga plástica de proteção e colocaram estacas à volta da zona ligadas por fita sinalizadora, para “assinalar a localização da sondagem por questões de segurança”.

A suspensão das escavações no sítio, em agosto de 2011, devido à “falta de apoio financeiro” da Câmara de Beja, o principal parceiro, coloca “alguns problemas na área escavada”, que foi provisoriamente selada, na “expetativa” do recomeço das escavações em 2012, o que não aconteceu, disse.

“Se não for possível reunir, junto da Câmara de Beja, apoios para continuar o projeto” e as escavações continuarem suspensas, “terá de se proceder à selagem definitiva” da área escavada, para a proteger e evitar outros atos de vandalismo e danos e garantir uma maior segurança do local, defendeu.

O sítio do Outeiro do Circo, conhecido há 300 anos e que começou a ser estudado nos anos 70 do século XX, é “extraordinário” e destaca-se pela “dimensão extremamente invulgar”, disse, referindo que os grandes povoados fortificados da mesma época conhecidos no sudoeste da Península Ibérica têm uma média de quatro a cinco hectares.

 

 

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Vandalismo no Outeiro do Circo

Excerto do ofício de dia 22 de Novembro de 2012 reportando à Câmara Municipal de Beja a deteção de uma situação de vandalismo no Outeiro do Circo:
 
“No passado dia 10 de Novembro de 2012, os responsáveis científicos do Projeto Outeiro do Circo detetaram uma situação de vandalismo ocorrida no sítio arqueológico do Outeiro do Circo (Mombeja/Beringel).
A deslocação ao Outeiro do Circo realizou-se no âmbito do I Curso de Poliorcética da Idade do Bronze do Sudoeste Peninsular, que contemplou uma sessão prática neste sítio arqueológico.
Á chegada ao local verificou-se que na sondagem 1 (intervencionada no âmbito do PNTA 2008 – 2011: “A transição Bronze Final / I Idade do Ferro no Sul de Portugal. O caso do Outeiro do Circo”) havia sido removida a manga plástica de proteção ao longo da totalidade do corte Oeste (esta encontrava-se segura por pedras e terras que foram intencionalmente removidas do local).
Esta situação deixou exposta às condições climatéricas uma área considerável da zona escavada, provocando o derrube de um troço de cerca de 4 m de comprimento no topo Sul da sondagem 1. No local são observáveis ainda as terras aluídas, bem como grande quantidade de pedras (pertencentes à estrutura da muralha e respetivos derrubes) e materiais arqueológicos cerâmicos.
Acrescenta-se ainda o facto de se observar uma linha de fratura no solo, com cerca de 2 m de comprimento, junta à área mencionada, que coloca em risco a aproximação de pessoas ao local, podendo provocar novo derrube.”
 
No seguimento desta denúncia efetuou-se um pedido de apoio à Câmara Municipal de Beja de modo a proceder-se à limpeza e colmatação da área afetada.
No dia 9 de Janeiro deste ano a Câmara Municipal de Beja disponibilizou meios para uma pequena intervenção no local da ocorrência, na presença de um dos responsáveis do projeto, tendo sido possível fazer a limpeza das terras aluídas e recolocar a manga plástica de proteção. Colocaram-se ainda algumas estacas em redor da sondagem ligadas por fita sinalizadora de modo a assinalar a localização da sondagem por questões de segurança.
Havia sido pedida a colocação de uma vedação no local, aguardando-se que a Câmara Municipal de Beja possa realizar esta ação.
Recordamos que a suspensão do Projeto Outeiro do Circo coloca alguns problemas na área escavada, pois esta foi apenas alvo de uma selagem provisória, na expetativa do reatamento dos trabalhos no ano seguinte à conclusão da escavação.
Caso os trabalhos se mantenham suspensos terão de se encontrar soluções para uma selagem definitiva que evite danos sobre os vestígios arqueológicos e ao mesmo tempo garanta uma maior segurança do local.
Até que sejam encontradas as soluções mais indicadas para este problema, apelamos a quem se desloque ao local que não coloque em perigo os vestígios arqueológicos escavados.
  
 
 
 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Novas fotos aéreas

Apresentamos algumas fotos aéreas de Mombeja e do Outeiro do Circo da autoria de Maria João Macedo a quem agradecemos a cedência das imagens.